Bebe, um Amigo!
por
Luiz Roberto Londres
No tempo em que vivemos, no qual prevalecem as ligações por interesse, em que vaidades são motivo de orgulho, em que as aparências contam mais que as essências e as relações pessoais são descartáveis, veio-me à lembrança alguém que representa justamente o contrário de tudo isso. Uma pessoa que me resgatou um longínquo momento de amizade profunda e sincera.
Leon Cohen Bello é o seu nome. Mas, para os amigos, é Bebe. Nós nos vimos por uns poucos dias em julho de 1963, durante uma viagem em que eu e mais três estudantes de Medicina brasileiros fizemos ao Uruguai dentro de um Fusca. Porém nenhum de nós quatro jamais o esqueceu. De momentos efêmeros nasceu uma amizade eterna. Com ele estavam sempre outros colegas uruguaios, como Yamandú Gillman, hoje traumatologista e professor universitário; e Ivan, cujo sobrenome não me lembro, morador dos arredores de Montevidéu e participante - ou pelo menos simpatizante - dos Tupamaros. Uma noite, estávamos todos em um bar quando a polícia entrou; Ivan atirou-se debaixo da mesa e todos nós, distraindo a atenção dos policiais, o ajudamos a sair. Fomos levá-lo em casa e tal a nossa pressa que quase cruzamos uma linha férrea sem qualquer cuidado. O apito do trem brecou instantaneamente nosso carro e pudemos sentir o vento e o calor de sua passagem - havíamos escapado por pouco.
Bebe tinha sempre na ponta da língua uma canção que todos nós quatro guardamos em nossa lembrança.
"chau chau chau,
adiós que te vaya bien,
que te garúe finito,
echale tabaco al pito
y adiós que te vaya bien."
De todos, era o mais alegre, o mais comunicativo e assumia praticamente o comando de nossas ações. Foi Bebe quem nos levou a achar um hotel, pois antes mesmo de procurar acomodações havíamos procurado a Faculdade de Medicina em Montevidéu, onde encontramos nossos novos amigos. Dele também aprendemos um novo significado para o nome "Montevideo". Dizia ele: "Ao ser avistado o cerro, foi anotado na carta de viagem 'MONTE VI D E O', que significaria "MONTE Sexta (VI) Dirección Este Oeste".
Naquela época, nós, estudantes, tínhamos intenso pensamento político e social. As discussões ideológicas eram mais acirradas do que as discussões sobre times de futebol. Haja visto Ivan, em um extremo, como tantos de nossos colegas na então Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil. Não havia coragem, pois não havia medo. O que existia era um profundo sentimento de procurar ajudar o mundo a melhorar.
Recentemente, graças à Internet, "encontrei" Bebe, agora morando em Buenos Aires, onde exerce a psiquiatria. É também legista, médico do trabalho, terapeuta ocupacional e, como ele mesmo diz, "curioso de todo lo humano". Além de suas atividades médicas e dos inúmeros trabalhos publicados, alguns dos quais premiados, continua sendo um ativista social, participando não só de grupos judaicos, como de movimentos que possam integrar grupos diversos, como o que une as três religiões monoteístas contra o terrorismo.
Passeando pelo blog de Bebe, veio-me à lembrança o meu colégio primário, que se chamava Curso Infantil. Sua proprietária e diretora era Eva Levy. Além das meninas, éramos cinco garotos; só quando deixamos o colégio, alguns anos depois, é que soubemos que éramos um misto racial: dois de ascendência árabe, dois de ascendência européia e um de ascendência judaica, assim como nossa diretora. Pois lá não havia judeus, árabes ou arianos - apenas meninos, apenas grandes amigos.
Hoje passamos dos sessenta anos e nos vemos no dever de trazer de volta essa fraternidade que permeava o nosso meio, enquanto a Europa amargava o Shoa. Bebe faz esse trabalho; sem abdicar do seu judaísmo, procura levar uma mensagem de fraternidade a todos os filhos de Abraão. Justamente o que nós crianças de um colégio primário, nascidas durante a segunda grande guerra, praticávamos com toda a naturalidade.
Que esta mensagem possa proporcionar a expansão de nossa consciência e de nosso espírito crítico para não nos sermos levados passivamente por palavras ocas ou incompletas, sejam elas escritas, faladas ou televisadas. Que o terror que vem sendo semeado ao nosso redor tenha seu contraponto nos encontros das mentes e das mãos daqueles que pensam não apenas em si, pois entendem que sem o próximo nada são.
Bebe, um grande abraço "y adiós que te vaya bien".