Sete de Abril
por Luiz Roberto Londres
Há exatamente 180 anos o Paço do Senado recebia missiva do Imperador Pedro I abdicando do trono brasileiro em favor de seu filho ainda menor, Pedro de Alcântara. Cento e quinze anos depois, nesta mesma data, a Organização Mundial de Saúde é criada. Ainda em outros sete de abril nascia o futuro santo, Francisco Xavier, em 1506 e morria o pintor Doménikos Theotokópoulos, conhecido como El Greco, em 1614. Fins e começos importantes têm marcado essa data, que passou a ser comemorativa do Dia Mundial da Saúde a partir de 1950.
É importante, neste dia, nos conscientizarmos do estado doentio em que se encontra a saúde em nosso país. Aqueles por ela responsáveis, como também responsáveis pela nossa saúde, os médicos, estarão promovendo um movimento que visa conscientizar a todos - cidadãos e autoridades - da terrível deformação que permeia o atendimento médico. Nesse dia estarão atendendo seus pacientes, mas não estarão se sujeitando às normas impostas pelos intermediários financeiros - as operadoras de saúde em suas diversas modalidades.
Com o progressivo desaparecimento de nossa Saúde Pública, apesar do que diz o Artigo 196 da Constituição Federal ("A saúde é direito de todos e dever do Estado"), entidades privadas, muitas delas de fins lucrativos, tomam, aos poucos, o lugar que é do Estado e, em um movimento crescente, usando os seus estabelecimentos de atendimento, onde deveriam estar sendo privilegiados aqueles que não podem pagar por um plano de saúde.
As reivindicações médicas abrangem vários pontos. O mais visível deles, uma vez que cada vez mais o atendimento médico tem como carro-chefe o dinheiro, é a questão da remuneração pelos serviços prestados. Se o leitor fizer um histórico dos reajustes em suas mensalidades e comparar com os reajustes concedidos (vejam só: concedidos) aos médicos, verá a crescente desvalorização dos serviços profissionais em função do lucro dos intermediários. Ou seja, quem produz tem que, cada vez mais, reverter os recursos a que tem direito para aqueles que agenciam a colocação de seus serviços.
Mas a perda de autonomia do médico em decidir sobre os seus honorários é bem menos grave do que a perda da autonomia do médico em decidir sobre os passos para tratar seus pacientes. Cresce de maneira assustadora a invasividade de funcionários e contratados dos planos de saúde em relação à conduta médica. Mais grave se torna o fato quando essa distorção parte de auditores médicos em descumprimento do que diz tanto o Código de Ética Médica em seus artigos 94 ("É vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório") e 97 ("É vedado ao médico autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente").
Vemos que o médico, o verdadeiro responsável pelo tratamento de um paciente, é, cada vez mais, colocado a serviço de terceiros que se eximem dessa responsabilidade. O interesse do paciente passa a estar sujeito ao interesse financeiro do pagador - esta é a verdade. Pois enquanto a missão do médico deveria estar voltada para o paciente, a missão dos intermediários financeiros está voltada para o lucro. Entre ambas as situações há um visível conflito na precedência de princípios.
Que este 7 de abril sirva para um passo a mais na conscientização de todos, para que se façam as correções necessárias na profunda distorção que sofre o atendimento médico em nosso país. Uma solução que, acredito, poderia resolver esse conflito seria a seguinte: os planos de saúde que limitassem o atendimento médico àqueles profissionais por eles credenciados deveriam responder solidariamente por danos e erros médicos ocorridos quando esses profissionais estivessem envolvidos.