Por um Mundo sem Máscaras
por
Luiz Roberto Londres
Meu curso médico se deu na primeira metade da década de 60. Estava me preparando para seguir a carreira mais respeitada da época e trazia a bagagem que estava a meu redor. Meus mestres silenciosos foram meu pai, Genival Londres; meu pediatra, Mario Olinto e meu dentista, Losir Vianna. Cada um a seu modo, cada um com suas características, cada um com sua personalidade. Mas todos construindo seu nome simplesmente através de sua carreira médica. Sentia como Mario Olinto e Losir Vianna interagiam comigo e via como meu pai interagia com seus pacientes. Havia sinceridade, competência, recato e calor humano.
CIÊNCIAS MÉDICAS
No primeiro dia de aula fui trabalhar no Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil cujo diretor era Carlos Chagas Filho. Lá aprendi a humildade da Ciência e o cuidado para não fazer afirmações de verdade a respeito das descobertas. Cada achado era porta aberta para dúvidas e pesquisas futuras - e não um ponto final. Não havia a arrogância das certezas, não haviam estudos enviesados. Não havia a venda do espírito crítico dos pesquisadores nem a sanha da produção de drogas. Lembro-me de um livro de meu pai, escrito há quase 100 anos, cujo título é "A Medicina e seus dezoito remédios".
Na microbiologia aprendi algo que hoje é alardeado como uma novidade: vírus sofrem mutações constantes, os primeiros surtos são os mais violentos, o inverno ou o frio trazem a gripe. Esta, assim como o sarampo, por exemplo, podem matar. Os nomes ou siglas dos vírus mutantes eram de domínio apenas dos pesquisadores. Para o público, a gripe era genérica. Os cuidados eram os de sempre: atenção à temperatura e à respiração, cuidado com o contágio, vitamina C, repouso e alimentação adequada. As mortes eram raras, mas muito mais freqüentes que no atual surto, apelidado com o nome clássico da gripe: "Influenza".
A anunciada pandemia da Gripe Aviária, tão badalada quanto a Suína pela Imprensa, resumiu-se a pouco mais de 200 mortes no período de 6 anos. Enquanto isso, endemias de malária, dengue, tuberculose e tantas outras matam, por dia, milhares de pessoas. Só a prosaica diarréia, conseqüência de tantas causas, mata 6.000 pessoas por dia.
CLÍNICA MÉDICA
No terceiro ano de Medicina éramos apresentados à razão de ser de nossa atividade: o paciente. Juntamente com sua decomposição em órgãos, tecidos e funções, aprendíamos sua integração como ser humano, somando à sua realidade biológica suas vidas psíquica e social. Aprendíamos que tínhamos que desnudar seu corpo e sua alma. E compreendíamos que, justamente por esses passos, assumíamos uma responsabilidade ética total e absoluta. Era nosso dever resguardar nossos pacientes e tudo o que tivéssemos conhecimento através de nossa prática. O recato era um requisito fundamental da atividade médica, decoro este que sofre agressões grosseiras, como a exposição do que estaria se passando no reto do vice-presidente da República.
O renome médico era conseguido por atividades que transcendiam sua clínica particular, como ensino, pesquisa, atendimento público e beneficente. Todos eles se dedicavam aos futuros médicos pelo ensino, aos futuros pacientes pelas pesquisas e aos pobres de recursos pelas atividades públicas e beneficentes. Não havia a soberba, não havia a arrogância e não havia a superexposição midiática. Não havia a ganância, o ganho era decorrência do trabalho, e o status vinha da própria atividade - do seu contato com seus pacientes.
Hospitais eram centros de atendimento e o que valia era o respeito à sua missão e os seus índices de qualidade - palavra essa hoje tão desvirtuada quanto "humanização", "excelência" e tantas outras. Não eram os prédios, seus tamanhos, sua suntuosidade, mas os profissionais que lá estavam e a seriedade em suas ações. Os atendimentos individuais ainda não estavam manietados por processos, protocolos e guias de conduta. O médico era obrigado a usar o seu raciocínio clínico. E esse juízo, do qual nem se fala, se bem usado, tem a possibilidade de fazer um diagnóstico correto em nada menos do que 90% dos casos. Mas é barato, não é tecnologia, não vende, não dá lucro, não serve para exposição na mídia e na via pública.
UM CHAMADO
Não só em relação ao que se passa na Medicina, mas também em todas as outras esferas, sejam elas públicas ou privadas, principalmente na Educação, na Política e na Imprensa, duas coisas são necessárias: postura e ação. Para isso é preciso que você, leitor:
...assuma o papel de ser humano e deixe de se entupir com "fast news".
...assuma o papel de ser racional e deixe de aceitar as notícias sem reflexão.
...assuma o papel de ser crítico e deixe de lado o seu comodismo intelectual.
...assuma o papel de ser ativo e abdique da sua passividade frente às distorções.
Enfim, que possamos despir as fantasias de idiotas* e vestir as roupas de cidadãos.
* Idiota, do grego idiotes, aquele que cuida apenas de seus interesses particulares.