Novos Horizontes para a Medicina
por
Luiz Roberto Londres
A Portaria Número 126 do Ministério da Educação recentemente baixada, regulamenta a avaliação das escolas médicas através do Exame Nacional de Cursos. Entendemos que as medidas determinadas por essa portaria, alteram substancialmente o perigoso rumo que vem tomando a atividade médica em nosso país. A prioridade conferida à conduta ética e humanística e à responsabilidade social (Artigo 2º inciso A) faz com que a prática da Medicina volte a se direcionar para os aspectos humanos no sentido mais amplo do seu significado. O conhecimento puro e simples da máquina corporal, por melhor que seja, não dará ao novo médico condições de se adequar às exigências do Ministério (que são, aliás, as exigências da Sociedade); a orientação das escolas médicas na direção da integridade humana trará para todos nós benefícios incalculáveis de prevenção, atendimento e custo.
Um outro desvio que será fatalmente corrigido antes que se torne calamidade é a crescente percepção da Medicina como atividade prioritariamente mercantil. O assunto dominante hoje não é a qualidade ou a propriedade do atendimento médico e sim o seu ônus para os intermediários ou para quem paga diretamente. Paga-se hoje demais porque paga-se errado. Boa Medicina, a Medicina a ser construída pelas novas solicitações do Ministério, é muito mais barata pois preocupa-se basicamente com o ser humano em seu contexto total ou seja segundo o modelo biopsicossocial. Maior atenção à conservação da Saúde, maior atenção à vivência do indivíduo, maior atenção às condições sociais da população, maior atenção à problemática psicológica de cada um. Usar mais a arte para usar menos a tecnologia.
Somos ainda bastante subdesenvolvidos na área da saúde. Muitas das ações necessárias são da área da engenharia sanitária. Outras dependem da sinalização do governo, tais como a educação da população em relação a hábitos de vida (alimentação, exercício, doenças transmissíveis, direção no trânsito, etc.) e do que ele espera das ações na saúde (esse já encaminhado pela portaria em questão). Uma bela complementação em prol da saúde de nossa população seria estimular a disseminação dos conceitos básicos de saúde e sua preservação nos currículos das escolas de primeiro grau. Bem como estimular o âmago clássico da Medicina, ou seja, a relação entre o paciente e o seu médico. Pois se não estamos no primeiro mundo no que concerne a área da saúde isso se deve a dois pontos básicos: o excesso de doenças transmissíveis e o excesso de uso de tecnologia (nessa última questão a Medicina norte-americana não fica atrás)
Outro ponto importantíssimo a se destacar em relação à Portaria Número 126 é a questão da cidadania. A primeira palavra usada para a avaliação do novo médico é "cidadão (*)". Ou seja, a cobrança em relação aos conhecimentos e à atuação do futuro profissional não se restringe à sua atividade específica, mas o coloca como co-responsável pela situação geral da Sociedade. Pode parecer pouco, mas acredito que talvez seja o maior avanço que possa ser colocado ao alcance da nossa Medicina. É um alerta contra a idiotia que vem se instalando não só em nosso meio mas, ao que parece, ao redor do mundo. Idiota, palavra de origem grega, é o indivíduo que cuida apenas de interesses particulares (idios de próprio). A cultura idiota (anti-cidadã) é endeusada principalmente quando, ao usarmos a linguagem da economia, esquecemo-nos de que existem a linguagem social e a linguagem política.
Cabe a um cidadão (e é vedado ao não cidadão, de maneira arbitrária ou sutil) refletir a respeito do meio econômico, social e político em que vive. Ortega y Gasset resume isto em sua frase "Yo soy yo y mi circumstancia". A palavra "cidadão" tem sua origem remota no grego "kineo" (de movimento). Podemos assim perceber que a própria palavra "cidadão" traz em si tudo aquilo que pretendemos que seja o nosso médico, além de um conhecedor de sua técnica. Cabe ao cidadão mover, colocar em movimento e não apenas aguardar o que os seus "representantes" (melhor dizendo, procuradores irrestritos) decidem. Cabe ao médico entender que ele é, de fato e de direito, o construtor de sua atividade - seja por ação seja por omissão.
Hoje é comum a queixa de todos nós em relação à nossa profissão. O governo, em boa hora, nos sinaliza para um caminho que abandonamos por conta própria, por nossa única culpa, por nossa incapacidade de agirmos em defesa de idéias e ideais consagrados ao longo de quase três mil anos. A sua portaria seja talvez o toque de despertar que a Sociedade esperava para recuperar sua crença na profissão médica. Com ela estamos com o ingresso nas mãos para passarmos para a Medicina realmente de primeiro mundo.