Espírito Público e Medicina Privada
por
Luiz Roberto Londres
Dois hospitais privados em nossa cidade criaram, através de seus médicos, programas que procuram encaminhar a resolução de situações que não parecem fazer parte do interesse comercial da Medicina privada nem costumam merecer a devida atenção de nossa Medicina pública. São eles, respectivamente Gaveatransplante da Clínica São Vicente e Pró-Criança Cardíaca do Hospital Pró-Cardíaco. Nessas duas instituições militam médicos que ainda focalizam nas necessidades humanas o seu conceito de Medicina assistencial. Acima da política ou das finanças (ambas absolutamente necessárias em seus devidos lugares).
Dr. Eduardo Rocha, coordenador do Gaveatransplante, e Dra. Rosa Célia, coordenadora do Pró-Criança Cardíaca, se movimentam ativamente procurando modificar uma prática que se esteriliza em seus ideais. Junto a eles estão outros idealistas e suas equipes: Dr. Ricardo Miguel transplanta corações, Dr. Joaquim Ribeiro transplanta fígados, Dr. Daniel Tabak transplanta medulas ósseas, Dr. Edison de Almeida e Silva e Dr. Henrique Rupp transplantam rins. De outro lado, a Dra. Rosa Célia coordena atendimentos clínicos e cirúrgicos a crianças com mal formações cardíacas.
Além deles, suas equipes e aqueles responsáveis pelos exames complementares que, boa parte das vezes, atuam sem receber os seus proventos. Por quê? Simples! Porque são médicos! E Medicina requer algo mais do que o seu aspecto negocial. Os hospitais onde atuam, Clínica São Vicente e Hospital Pró-Cardíaco, considerados os melhores em nossa cidade, lhes dão o apoio que necessitam.
Os primeiros transplantes cardíacos foram fruto da colaboração de instituições (como White Martins e Teletrim), que atenderam ao apelo da solidariedade humana. Colaborou a Clínica São Vicente arcando com os custos do primeiro transplante. Pouco a pouco, os seguros aderem a esse movimento. Os últimos transplantes hepáticos foram cobertos pelos respectivos convênios através de preços pré-estabelecidos não refletindo, necessariamente, o custo do procedimento. Mas os objetivos estão sendo atingidos. Ao se iniciar o programa Gaveatransplante haviam sido realizados, no estado do Rio de Janeiro, em toda a sua história, apenas um transplante de coração e um transplante de fígado.
As dificuldades para se operar crianças com cardiopatias congênitas costuma ser fruto de cláusulas contratuais dos convênios que tornam difícil ou mesmo impossível a cobertura dessas patologias cirúrgicas. Ou também da atual deficiência estrutural de nossos hospitais públicos. A Dra. Rosa Célia faz o impossível para estender ao maior número possível de crianças o benefício cirúrgico ora restrito a umas poucas que podem pagar ou que não perderam o prazo para inscrição no plano de saúde de sua mãe ou de seu pai. Alguns desses hospitais públicos procuram superar suas deficiências através de fundações, escapando assim da falta das verbas públicas.
Os doutores Ricardo Miguel e Joaquim Ribeiro, dois dos cirurgiões do Gaveatransplante, por sinal excelentes cirurgiões tanto do lado técnico quanto em sua conduta hipocrática, não conseguiram desenvolver os seus préstimos em dois de nossos hospitais públicos. É bom tê-los conosco na Clínica São Vicente, mas como perde a nossa comunidade em não absorver suas práticas. Temos, graças a ele, no Rio de Janeiro, não só a recuperação da prática desses transplantes, quanto, apesar do número ainda pequena para ser realmente significativo, uma excelente estatística em seus resultados.
A abnegação da Dra. Rosa Célia e a colaboração do Hospital Pró-Cardíaco em relação ao programa Pró-Criança são dignas dos maiores elogios. Também ela não admite que a queixa tome o lugar da ação, que a admiração por outros centros impeça de se tomar as medidas que nos levariam a nos aprimorar em nossos pontos fracos. Têm eles, médicos e hospitais, a noção, que às vezes parece estar saindo de moda, de que a Medicina é, antes de tudo, uma atividade humanitária e beneficente onde o fazer o bem pode estar um pouco além das fronteiras financeiras.
E são justamente esses dois hospitais e seus médicos, que agregam à Medicina assistencial a formação de profissionais seja por atividades didáticas seja por atividades de pesquisa clínica. Suas reuniões e produção científicas são ímpares em nossa cidade e raras em nosso país, seja pelo seu conteúdo seja por sua continuidade. E que demonstram juntamente com seus médicos, apesar de instituições eminentemente privadas, um louvável e profícuo espírito público.