A Medicina no Rio de Janeiro
por
Luiz Roberto Londres
"QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER"
Há não muito tempo atrás o Rio de Janeiro ocupava uma posição de inconteste liderança no cenário da Medicina nacional. Nossos clínicos e nossos cirurgiões recebiam, muito mais que qualquer outro centro médico, pacientes vindos de todas as partes do país. Inclusive de São Paulo. Uma pequena casa de saúde na rua Conde de Irajá, uma mansão adaptada na rua Dona Mariana, um anexo a um hospital psiquiátrico na rua Marques de Olinda, uma antiga e hoje inexistente clínica na rua Marques de Abrantes e um modesto pavilhão de um velho hospital na rua Santo Amaro eram as Mecas de nossa Medicina. Lá estavam, respectivamente, Fernando Paulino, Ivo Pitanguy, Paulo Niemeyer, Nova Monteiro e Jesse Teixeira, fora tantos outros. Foram homens de seu tempo e adiante de seu tempo. Foram médicos que fizeram acontecer aquilo que deveria acontecer com as condições da época. Convivi com todos eles e jamais os ouvi, por um momento sequer, reclamando de qualquer coisa que os impedisse de fazer a melhor Medicina possível. E lutando por isto. Mais do que isso, sabiam fazer de sua prática médica importantes escolas de especialistas. Poucos hoje sabem, mas de São Paulo vinha, como vinham tantos, o hoje famoso Dr.Adib Jatene buscar conhecimentos da incipiente cirurgia cardíaca com os Drs.Domingos Junqueira de Morais e Waldyr Jazbik.
Quase que subitamente este quadro se esfacelou. Lembro-me de um encontro com o Prof.Antonio Paes de Carvalho de quem ouvi algo como "A nossa atual geração de médicos é tão importante que a geração próxima irá sofrer com isto". E foi o que se viu. De primeiros colocados passamos em tão pouco tempo para segundo, quinto, oitavo, décimo, quem sabe? Nosso prestígio despencou a níveis como o de Brasília nos tempos em que lá praticamente não havia Medicina. O senador Magalhães Pinto disse uma vez que o melhor médico de Brasília era a ponte aérea para o Rio de Janeiro. Hoje no Rio de Janeiro, vários de seus próprios médicos dizem que o melhor médico do Rio é a ponte aérea para São Paulo. Por outro lado dizem, às vezes, que temos bons médicos mas nos faltariam instituições do porte de um Incor. Felizmente não pensaram assim os médicos acima citados, nem Hilton Rocha em Belo Horizonte, José Silveira em Salvador, Penido Burnier em Campinas ou, em nossos dias, Áureo Ludovico em Goiânia, Randas Batista em Campina Grande do Sul ou Renan Tinoco e Geraldo Ramalho em Itaperuna. Não são instituições que fazem médicos; mas médicos fazem instituições. Ninguém de Itaperuna precisa se operar em São Paulo.
Qual a diferença do pensamento, da cultura e da ação médica do Rio de hoje em relação ao Rio de ontem. Os médicos de ontem (bem como alguns médicos atuais com muitos dos quais tenho a honra de conviver) faziam, sem se importar com o seu ponto de partida. Os de ontem preferiam a realização às lamúrias. Os de ontem preferiam uma cultura geral à uma cultura setorizada. Os de ontem tinham um pensamento institucional (extremamente centrado em si próprios, é verdade, mas era institucional). Os de ontem, podemos citar Geraldo Vandré, "faziam a hora não esperavam acontecer".
Tenho tido contato com uma nova geração de médicos que promete levar o Rio de Janeiro novamente ao primeiro plano da Medicina nacional. São médicos que não precisam repetir performances de seus antecessores; pelo contrário, precisam corrigir desvios de rota, precisam retomar um prestígio perdido por quase toda uma geração, querem se afirmar por si e não no afã de ultrapassar os antigos mestres, aqueles que os antecederam. Não trazem consigo um peso ou uma acomodação; trazem um anseio, um desafio. Não precisam conviver com grandiosidades jurássicas, mas simplesmente com instituições médicas, de qualquer constituição, de qualquer porte, que simplesmente queiram fazer uma Medicina voltada para as necessidades do cliente e da comunidade. Esses médicos têm muito maior percepção das necessidades atuais do atendimento médico, sabem que não são mais eles as grandes estrelas e sim os pacientes. Não precisam de templos e sim de oficinas de trabalho. Não precisam criar nome e sim criar uma produtividade que atenda à população. Entendem ou simplesmente intuem que o seu prestígio social virá de sua capacidade de atender uma demanda e não de eventuais grandes feitos restritos a uns poucos pacientes. Terão prestígio social pela ação social e não pelo "status" social. Pelos resultados de seu trabalho e não pela associação, pelo clube ou pelas amizades que frequentam.
Quanto às instituições, temos feito a nossa parte; e outros têm feito a sua. De alguma maneira e a seu modo, o Rio de Janeiro vê ressurgir instituições médicas que procuram ocupar espaços importantes. Ainda há, aqui e ali, resquícios do velho pensamento grandioso, do modelo antiquado do tempo em que as instituições eram feitas para os médicos e de que nossa cidade era povoada por esqueletos abandonados de inúmeros projetos inacabados de hospitais (hoje temos esqueletos vivos de alguns hospitais do estado; esperemos que em breve voltem a atender com dignidade a nossa população). Sabemos que existem eventuais desvios de uma ou outra instituição que colocam em primeiro lugar outras prioridades que não o atendimento aos pacientes, incluindo aí algumas empresas prestadoras e pagadoras de serviços. Sabemos que existem profissionais que compactuam com este estado de coisas. E, finalmente, convivemos ainda com o derrotismo de alguns dos saudosistas de uma Medicina que eles mesmos não viveram.
Cabe a todos os que encaram a tarefa médica com a dedicação e a seriedade que ela merece não aceitar esses desvios; cabe, isto sim, lutar para corrigí-los, agir para extinguí-los. Temos como certeza o fato de que o Rio de Janeiro tem excelentes condições para passar à modernidade no atendimento médico e que este atendimento se caracterizará cada vez mais pela prioridade na manutenção da saúde e na atenção à vida e não apenas no tratamento às doenças vistas quase que exclusivamente pelo ponto de vista fisiopatológico. Não temos que copiar modelos de outras épocas e por isto mesmo ultrapassados e/ou inadequados. Temos que ter criatividade para traçar o nosso próprio e único caminho.