Escola Médica: Pedomorfose ou Gerontomorfose?
por
Luiz Roberto Londres
Há muitos anos, tenho uma idéia a respeito de quais matérias deveriam constar em uma escola médica. Acho que minhas idéias, antes motivo de curiosidade e aprovações apenas idealistas, ora tornaram-se apropriadas a seu tempo. Há uma caixa de ressonância em torno da mudança do modelo de Medicina e de médico. O velho modelo cansou. Levou a custos altos e baixas satisfações. O quadro médico que se apresenta é pré-robótico; ou, muitas vezes, já robótico, só que travestido de carne e osso. Vê-se agora que Medicina é uma atividade humanista.
O final do século, envolto em roupagens altamente simbólicas de final de milênio, tem feito renascer em todos os campos a procura do intangível, do intuído, da crença, do arrebatamento. Essa procura da desmaterialização é compreensível, em vista da materialização do pensamento, crescente nos últimos trezentos anos. Algo como fazer um monte tirando terra de um buraco. Agora aparece o buraco. Muito compreensível e lógico, bem mais lógico do que a lógica que se quer impor através de provas científicas e estudos complicados. História natural, nada mais.
Esse movimento é muito mais percebido pelo leigo, pelo que está fora das igrejas quaisquer que forem elas: religiosas, científicas, políticas, profissionais, etc. É pressentido, e muito, pelos excluídos de qualquer espécie. Por aqueles que estão olhando as instituições através de uma visão externa e não interna. Os de dentro envolvidos em suas atividades, preocupam-se mais em protagonizar mas pouco em observar. É comum se queixarem dos modismos, dos charlatanismos, das inconsistências das terríveis mudanças. E é comum continuarem a protagonizar com pouca reflexão. Usam fitas métricas já ultrapassadas, que serviram e bem em outros tempos.
Há tempos me dedico ao estudo da Teoria da Medicina. Comecei a fazê-lo há uns quinze anos ao perceber que a Medicina se encaminhava para uma profunda revolução prática e epistemológica. Minhas idéias de então eram vistas como curiosidade pelos meus pares da clínica e como inconsistentes pelos meus pares da ciência. Eu praticava dentro do velho modelo e pensava dentro do novo. E o correr do tempo foi fortalecendo minhas novas idéias: onde os outros vêem progresso eu vejo majestosos acordes finais de uma sinfonia de Beethoven.
Foi este modelo, um misto da antiga prática com o pensamento do futuro que usei na administração hospitalar. Nossos jovens médicos não deixam de ser excelentes por acreditar em algo mais do que biomedicina. Entendem que o momento em relação aos meios (a Medicina o é) é de revolução, não de evolução. Não virá o melhor, virá o diferente. Não se procure dentro da Medicina, procure-se fora dela e se achará o que será a Medicina daqui a poucos anos. Como diria Hayek, as forças cósmicas sobrepujarão as forças taxionômicas. Muito lógico.
É com esse pensamento que aceitamos o desafio de dirigir uma nova escola médica. Arthur Koestler falando a respeito de metamorfoses mostra que estas só ocorrem através da pedomorfose (modificações das formas jovens, embrionárias) e nunca pela gerontomorfose (modificações das formas envelhecidas). Dolly é um exemplo: uma célula adulta teve de se tornar embrionária para poder gerar nova vida. O que foi feito? Simplesmente liberar uma célula de "seu envelhecimento", de sua carga de especialização e lhe abrir novamente todas as portas possíveis de sua própria evolução. A discussão a respeito é muito mais abstrata (ética e simbólica) que concreta. Do ponto de vista objetivo foi um avanço inestimável no conhecimento humano. E serve para mostrar o que fazer para se seguir um novo caminho.
Voltemos à Escola Médica. A tentativa de melhorar o ensino médico fez com que o universo de escolas médicas se cristalizasse, mas com os malefícios de um sistema cartorial: ao controle da quantidade não se instaurou o controle da qualidade. A qualidade do ensino médico despencou (todos sabem disso) e não poderia ser diferente. Um sem número de escolas médicas sem a menor condição existe e esse argumento é usado para evitar que novas se instalem. Pois que se fiscalizem todas. Como será que fazem com os pilotos comerciais? Por que não faze-lo com médicos e suas escolas? Nossa vida está em suas mãos: licença para curar ou licença para adoecer ou mesmo matar? A diferença pode ser tênue.
O modelo que irá reger a escola médica da Universidade Estácio de Sá visa muito mais o aprendizado médico que o seu simples ensino. Aos alunos caberá boa parte da responsabilidade nesse aprendizado. Matérias como História da Medicina, Sociologia Médica, Antropologia Clínica, Filosofia e Teoria da Medicina farão parte desse currículo. Como também noções de administração e economia médicas visando prepará-los para a efetiva prática profissional. Nesse ponto queremos que nossos alunos repitam nossos mestres que muito mais que apenas as ciências médicas, conheciam a cultura do homem. Acreditamos no que nos diz José Letamendi: "Aquele que só Medicina sabe, nem Medicina sabe".