Letter
por Luiz Roberto Londres
Há algum tempo tínhamos a idéia, na Clínica São Vicente, de editarmos um periódico que levasse informações a respeito da instituição e do Centro de Estudos e Pesquisas Genival Londres. A idéia, como é tão freqüente, se perdia na própria idéia. Faltava sempre uma definição que atendesse diversos requisitos: interesse do leitor, informação útil, objetivação de um serviço, continuidade de edição, estética de apresentação e tantos outros.
Em 1994, o jornalista Chico Junior se propôs a levar adiante essa empreitada coordenando membros de sua equipe e da equipe da Clínica São Vicente. Para a primeira Letter que seria editada no início do segundo semestre daquele ano foi-me solicitado um artigo para a primeira página fazendo uma apresentação da própria Letter. Com o artigo praticamente pronto e conversando com um colega, soube de comentários de um grupo de médicos dizendo da inoportunidade de se tentar levantar a cirurgia cardíaca em nossa cidade. Ora, era o que justamente estávamos fazendo e, naquele mês, estaríamos completando um ano de cirurgia cardíaca com resultados comparáveis ao de qualquer centro de excelência na esfera internacional apesar da total inexperiência passada. Veio-me uma "santa irritação" como reação a um grupo de derrotistas e derrotados. Daí fluiu o editorial denominado "A Medicina no Rio de Janeiro" e a idéia de se fazer, a cada número um editorial.
Na Letter 2, fazemos um breve resumo da história da Medicina e, na Letter 3, um estudo de suas finalidades, seus meios e seus princípios. Em ambos sempre procurávamos situar o momento presente da atividade médica. Nas Letters 4, 5 e 6, optamos por contos à margem da Medicina, fantasiando a Medicina e resumindo a Medicina. A Letter 7 trata das relações entre os diversos componentes do palco médico. As Letters 8,9 e 10 procuram trazer uma visão resumida da Medicina sob a ótica da sociologia, da psicologia e da antropologia. A Letter 11 resume o foco de atenção com que o médico encarava e encara a Medicina e a Letter 12 se propõe a fazer uma ponte entre a colocação ética das anteriores e uma colocação política das vindouras.
Uma enorme surpresa adveio da repercussão de determinados editoriais. Foi possível perceber que em nossa comunidade médica havia também, e justamente entre os mais capazes, uma "maioria silenciosa" que considerava o atual estado de coisas uma questão inexorável, já definida apesar de lamentar que isso estivesse ocorrendo. Ora, é justamente à não ação dos que se colocam em um polo oposto às idéias do momento que faz com que elas possa tomar corpo, estacionar ou definhar. Em um tipo de profecia auto-realizável esses diziam algo do tipo, "nada faço porque nada se pode fazer" e não entendiam que a realidade é "nada se pode fazer porque nada faço".
Políticos, autoridades médicas, legisladores, seguradoras, burocratas, advogados e juizes tratam a Medicina nos dias de hoje como se ela fosse um corpo inerte, material, sem história, sem princípios e sem as principais características de sua prática. Querem-na despir de suas roupas, querem se apropriar de sua esmeralda para pode olhá-la através de sua água-marinha ou de seu rubi. Fazem com a Medicina o que muitos médicos e instituições hospitalares estão fazendo com seus pacientes; estão objetivando a Medicina a seu modo, através de um olhar reducionista que a descaracteriza e corrompe a sua essência. Com isso perde a Medicina? Perde, sim, e muito. Mas não apenas os que dela vivem, mas principalmente os que dela necessitam.