As Cores da Vida
por
Luiz Roberto Londres
Aquele que só Medicina sabe, Nem Medicina sabe. -
José Letamendi
Em um mundo que teima em procurar e valorizar o brilho vazio da moeda, a vacuidade dos títulos e posições, a fama e o sucesso como fins em si mesmos e não como resultado do trabalho de uma missão, o superficial e o efêmero..., pois bem, nesse mundo, um médico que ostenta todas as exteriorizações desejáveis, sem nunca ter lutado por elas e sim por ter chegado a elas por bem cumprir a sua missão, mergulha a cada minuto em seu interior buscando o que nos ensinam a esquecer: o nosso próprio EU.
A metáfora do título do livro de Almir Ghiaroni nos chama a atenção para aquilo que todos querem nos fazer esquecer, sejam médicos, jornalistas, publicitários, educadores, empresários, políticos e governantes. O enjôo com as desculpas de consultas mal pagas, tiragens e índices de audiência, aumento de vendagem, "fast-learning", maiores e melhores, promessas rotas e ações predatórias já aflorou ao consciente de um grande número de pessoas e em breve atingirá o ponto de propagação rápida. Mas, como era de se esperar, os comandos, que geralmente se colocam à margem da produção e focam nos resultados ainda seguem naquela linha.
O que penso da Medicina e dos médicos é de conhecimento público graças a uma de vocês, Anna Paula Buchalla: ela percebeu o alcance do que eu falava há anos, em todos os lugares, para muitos de vocês que me lêem, para empresários, políticos e médicos, sem nunca ter atinado para a relevância dessas idéias. Foi ela quem entendeu, como jornalista, que eu falava algo a ser publicado e, na certa como paciente, que isso era o que ela gostaria de dizer e gostaria de ter. Ela viu que faltavam as cores da vida na Medicina.
Hoje, no jornalismo de grande circulação a moda, é a veiculação da violência, do entretenimento geralmente desprovido de qualquer contribuição para quem assiste, a fugacidade das notícias em "flash". Não são as mortes do tsunami que importam (muito mais mortes acontecem por outros motivos), é o espetáculo que cerca a circunstância dessas mortes. O mesmo podemos dizer das torres gêmeas onde os mortos inocentes foram coadjuvantes de fundo de cena à exceção do herói-bombeiro cuja tarefa contém esse risco. O maior aprofundamento em assuntos relevantes quase sempre perde espaço para efeitos especiais de fotos, manchetes e declarações bombásticas. É como se um hospital de preocupasse apenas com as emergências relegando ao esquecimento os pacientes fora de risco ou cronificados. Invariavelmente ouço que a necessidade de "sobrevivência" do veículo é o que leva a este estado de coisas. Sem isso correria o risco de fechar. Pois bem, duvido que haja qualquer pessoa que aceite que um médico ou um hospital "aumente a sua circulação", não para atender seus pacientes nos seus benefícios, mas as suas próprias necessidades. Se isto pega estamos todos correndo um grande risco.
Um pequeno conto de Almir Ghiaroni participou de um concurso em um grande jornal. O seu final é de uma poesia única que até hoje me emociona quando conto para alguém. Não foi sequer classificado. Li os contos que ganharam os três prêmios e pude entender a coerência da escolha com as linhas editorias cinzas (nem mais em preto e branco) de nossos dias. Sentimentos tornam-se supérfluos, o que importa são as sensações. Esta linha leva a se trocar reflexões por reflexos, a continuidade do tempo por uma sucessão de "aquis" e "agoras" desconectados, nos levando a um isolamento temporal que nos remete ao isolamento espacial de nossos dias.
O personagem de Almir em "As Cores da Vida", ao contrário, viaja por campos, espaços e tempos diversos. Passeia pelos vinhos e pela oftalmologia, pela ciência e pela arte, reflete ficções e realidades, une passados e presentes e nos mostra Brasis e Itálias. Há sonhos, recordações, projetos, amor, vida e morte, uma trama de afetos tão pouco "na moda", sem efeitos especiais, mas com os especialíssimos efeitos que nos mostra o decorrer de uma existência que busca e vive o humano em sua maior dimensão: o encontro envolto em sua própria arte. Aliás, "A Arte do Encontro" teria sido o título.
Em minha convivência com vocês aprendi que os jornalistas conhecem e prezam as suas missões, mas, com freqüência, têm de abdicar de alguns princípios pessoais em função de exigências extrajornalísticas. Aprendi que jornais, revistas e suas editorias passam por momentos de exigências econômicas; assim como hospitais, seguros saúde, companhias de aviação, transporte ferroviário, grandes hotéis e tantas outras. Acho que ainda não avaliamos bem as mudanças que a compressão de tempo e espaço do mundo virtual está levando ao mundo real. Ainda vivemos no século passado. Procuramos culpados para justificar esse estado de coisas por abrirmos mão de compreender o que se passa. Uma sugestão final: O filme "Os Lobos também choram" com Kevin Costner. Poderemos então entender porque os caribus estão desaparecendo.
Gostaria de dedicar essas palavras a uma de vocês, Mery Galanternick, a quem vi uma única vez, mas que me brinda aqui e ali com dizeres, citações e poesias que tanto me enriquecem, tanto me trazem cores. E vale lembrar que as cores em geral não existem de per si, mas na dependência da luz que sobre elas incide. E também que a consciência humana se ilumina em suas cores pela luz que recebe do exterior e pela luz que lança em seu interior à procura de si mesmo. O excesso de uma dessas luzes pode ofuscar a pessoa levando à ignorância do que se passa no outro lado. E vocês, jornalistas, são detentores de potentes holofotes que estão, diariamente, minuto a minuto, a lançar suas luzes sobre nós.
A todos vocês a minha admiração fruto de encontros de pessoas, fruto da troca de idéias, fruto de franquezas e conhecimentos.